Boletim BIREME n. 99

Consulta Regional define prioridades de pesquisa em Medicina Tradicional

A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), por meio dos Departamentos de Sistemas e Serviços de Saúde (HSS) e Determinantes Sociais e Ambientais para a Equidade em Saúde (DHE), e de seu Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (BIREME), junto com a Organização Mundial da Saúde (OMS), por meio de seu Centro Global de Medicina Tradicional (GTMC), realizaram no Brasil, nos dias 11 e 12 de junho, a Consulta Regional para Priorização de Pesquisa em Medicinas Tradicionais, Complementares e Integrativas (MTCI). Com cerca de 50 participantes, o evento reuniu representantes de ministérios da saúde, especialistas internacionais, pesquisadores, lideranças e organizações indígenas de países das Américas, consolidando um espaço de debate sobre aspectos relacionados às prioridades para a pesquisa no campo das MTCI.

Esta consulta faz parte de uma série de exercícios que estão sendo realizados globalmente e foi estruturada em torno de apresentações de especialistas e uma série de debates guiados sobre cinco temas-chave. A metodologia foi coordenada por facilitadores da Universidade de Tecnologia de Sydney (UTS), que conduziram as atividades em grupo. Os participantes debateram sobre os principais desafios, condições de infraestrutura, tomada de decisões baseada em evidências, identificação de lacunas e formas de identificar e medir o sucesso de futuras agendas de pesquisa. Além disso, a programação incluiu a apresentação da Biblioteca Global de Medicinas Tradicionais da OMS, desenvolvida pela BIREME em colaboração com o Centro Global de Medicina Tradicional da OMS (WHO GTMC, na sigla em inglês), bem como atividades de integração cultural entre as equipes e os participantes.

A cerimônia de abertura contou com a presença de Gustavo Rosell de Almeida, assessor em Sistemas e Serviços de Saúde da OPAS/OMS; Geetha Krishnan Pillai, chefe da Unidade de Pesquisa e Evidência do GTMC da OMS; João Paulo Souza, diretor da BIREME/OPAS/OMS; Daniel Amado, assessor técnico e gerente de projetos de Práticas Integrativas e Complementares (PICS) do Ministério da Saúde do Brasil; e Ileana Fleitas, assessora em Medicamentos, Tecnologias e Pesquisa em Saúde, representando Cristian M. Fuhrimann, Representante da OPAS no Brasil.

Rosell de Almeida destacou a importância de contar com representantes dos países da Região para facilitar o intercâmbio de experiências e avançar em consensos sobre as prioridades de pesquisa em MTCI. Por sua vez, João Paulo Souza afirmou: “Este é um evento fundamental que acontece em São Paulo nesta semana. Nele, trabalhamos com representantes de diversos países, incluindo povos indígenas e originários de nossa região, Brasil e outros países das Américas, para abordar as prioridades de pesquisa no âmbito das medicinas tradicionais, complementares e integrativas. Isso é essencial, pois buscamos ampliar o acesso e melhorar a articulação das práticas tradicionais, complementares e integrativas com os sistemas nacionais de saúde. Isso se dá por meio da geração de novo conhecimento, o que aqui chamamos de pesquisa.”

Da mesma forma, Geetha Krishnan Pillai, do GTMC da OMS, reiterou o compromisso internacional com o tema: “Trabalhamos para criar evidências robustas e plataformas inclusivas que respeitem o valor intrínseco e a diversidade das medicinas tradicionais, apoiando sua integração com os sistemas de saúde. Para milhões de pessoas, a medicina tradicional é a primeira opção de cuidado, especialmente onde o acesso é limitado. Fortalecer a base de evidências e valorizar o conhecimento local amplia a autonomia das pessoas e torna o cuidado em saúde mais acessível, culturalmente relevante e sustentável.”

Durante os dois dias, foram debatidas as prioridades de pesquisa, a preservação e transmissão dos saberes tradicionais, aspectos regulatórios de infraestrutura e financiamento para a pesquisa em MTCI, o desenvolvimento de metodologias apropriadas e o fortalecimento de capacidades em comunidades indígenas, pesquisadores locais e provedores de cuidados em saúde. Nesse contexto, Kim Sungchol, chefe da Unidade de MTCI da OMS, realizou uma apresentação centrada na nova Estratégia Global para as Medicinas Tradicionais (2025–2034), na qual destacou: “Um dos principais desafios na pesquisa em medicinas tradicionais é a proteção e documentação dos saberes tradicionais, especialmente dos indígenas, garantindo o respeito aos direitos das comunidades e prevenindo a apropriação indevida.”

Por sua vez, Ileana Fleitas ressaltou a relevância do evento para a Região: “Para a OPAS, esta consulta global sobre pesquisa em medicina tradicional, realizada no Brasil, é de enorme importância. É fundamental garantir que este conhecimento ancestral ocupe o seu devido lugar nos sistemas de saúde, reconhecendo-o como um direito dos povos e fortalecendo a regulamentação e integração dessas práticas. O protagonismo do Brasil e a contribuição da BIREME, especialmente na criação da Biblioteca Global de Medicina Tradicional, demonstram como a região pode liderar avanços para valorizar o conhecimento tradicional em escala global.”

Os documentos de apoio ao evento estão disponíveis em espanhol, inglês e português e podem ser acessados na página online Consulta Regional sobre Priorização de Pesquisa em Medicinas Tradicionais, Complementares e Integrativas (MTCI) | BVS MTCI, desenvolvida pela BIREME/OPAS/OMS. Ali estão reunidas fontes de informação como o programa, imagens, vídeos e outros materiais, como parte das ações de gestão da informação e do conhecimento que apoiam o evento.

Contexto histórico

Priorizar a pesquisa sobre medicina tradicional faz parte de um esforço global da OMS para fortalecer o papel dessas práticas nos sistemas de saúde, em consonância com marcos como a Declaração de Alma-Ata (1978) e a Declaração de Astana (2018), que reconhecem seu valor no contexto da atenção primária à saúde (APS). Desde a publicação das Estratégias Globais sobre Medicina Tradicional (2002-2005 e 2014-2023), passando pela Declaração de Gujarat até a recém-aprovada Estratégia 2025–2032, a OMS tem promovido a articulação entre os conhecimentos tradicionais e a produção de evidências como ferramenta para avançar em direção a sistemas de saúde mais equitativos, resilientes e centrados nas pessoas.

Embora a base de evidências sobre medicina tradicional e complementar tenha se ampliado nas últimas décadas, ainda persistem desafios significativos, como a fragmentação da pesquisa e a ausência de diretrizes globais para traduzir o conhecimento em práticas seguras e eficazes. O processo de priorização realizado nas Américas e em outras regiões do mundo busca justamente superar essas barreiras, promovendo a construção coletiva de agendas de pesquisa alinhadas à diversidade cultural e às necessidades das pessoas e comunidades.

Nesse contexto, Rosell de Almeida enfatizou a importância do diálogo intercultural: “Fortalecer a atenção primária à saúde exige incorporar e articular os saberes das medicinas tradicionais, promovendo uma abordagem mais integral, centrada nas pessoas e não apenas nas doenças. Para isso, é fundamental manter o diálogo e valorizar as experiências dos povos indígenas, pesquisadores e gestores, construindo juntos melhores condições de saúde para todos”.

Como próximos passos, a OMS e a OPAS delinearam ações que incluem o estabelecimento de mecanismos para proteger os conhecimentos tradicionais, a elaboração de diretrizes para articular a medicina tradicional com os sistemas biomédicos e a formação de grupos de trabalho em nível regional. Nesse sentido, a OPAS desenvolverá um plano estratégico regional em diálogo com governos, especialistas, acadêmicos, comunidades e povos indígenas, cujos resultados preliminares serão apresentados na Cúpula Global sobre Medicina Tradicional, que será realizada em dezembro na Índia.

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