Nos dias 10 e 13 de junho de 2025, representantes da Organização Panamericana da Saúde (OPAS) e da Organização Mundial da Saúde (OMS) realizaram visita técnica a dois serviços municipais de saúde integrativa e indígena em São Paulo, com o objetivo de conhecer experiências inovadoras e dialogar sobre a Biblioteca Global de Medicina Tradicional, desenvolvida pela BIREME com o Centro Global de Medicina Tradicional da OMS (WHO GTMC, na sigla em inglês).
As visitas foram coordenadas pela Secretaria Municipal da Saúde (SMS-SP), por meio da Área Técnica de Saúde Integrativa/PICS, sob liderança de Adalberto Kiochi Aguemi, diretor da Divisão de Promoção da Saúde. Pela OPAS e OMS, participaram Geetha Krishnan Pillai, coordenador de Pesquisa e Evidência do GTMC da OMS; João Paulo Souza, diretor do Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (BIREME); e Daniel Gallego-Pérez, consultor no Departamento de Sistemas e Serviços de Saúde (HSS).
Centro de Referência em Práticas Integrativas e Complementares (CRPICS) Bosque da Saúde
No dia 10 de junho, a comitiva visitou o CRPICS Bosque da Saúde, na região sudeste da capital paulista. No encontro, as equipes da SMS-SP compartilharam experiências com o modelo de atenção integrada à saúde, implementado no contexto da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no Sistema Único de Saúde (SUS), e o Programa Municipal Qualidade de Vida com Medicinas Tradicionais e Práticas Integrativas em Saúde. Além de conhecer as instalações da unidade, foram apresentados os resultados, a estrutura e a abrangência da iniciativa, em curso desde 2001, com a oferta de 22 práticas como acupuntura, ioga, meditação, dança circular, auriculoterapia, entre outras.
Em destaque, a Terapia Comunitária Integrativa (TCI), modalidade orientada para a promoção da saúde e alívio do sofrimento mental, que é realizada em sessões de conversa em grupo mediadas por terapeuta comunitário treinado, e que é considerada uma prática original do Brasil. Outra inovação local é a oferta, desde 2016, do Programa de Residência Multiprofissional em Práticas Integrativas e Complementares em Saúde, o primeiro do país voltado à formação técnica de trabalhadores da saúde, com 5760 horas de aprendizado teórico e prático.
“É um orgulho imenso ver o Brasil como expoente e guardião de práticas ancestrais, preservando este celeiro de cuidado para as futuras gerações. Como formadora de profissionais de saúde, é emocionante perceber que novos médicos reconhecem, já durante a formação, a importância da complementaridade além da biomedicina. Práticas brasileiras, como capoeira, terapia comunitária e fitoterapia, despertam interesse internacional e mostram a força do Brasil em inovar e contribuir com soluções genuínas e humanizadoras para a saúde mundial. Em tempos tão desafiadores, oferecer tecnologias leves e profundamente enraizadas na nossa cultura tem um enorme valor para a saúde pública”, declarou Jussara Otaviano, enfermeira do Instituto Afinando Vidas e responsável pela formação de terapeutas comunitários.
UBS Indígena Aldeia Jaraguá Kwarãy Djekupé
No dia 13 de junho, a equipe visitou a Unidade Básica de Saúde Indígena Aldeia Jaraguá Kwarãy Djekupé, situada na Terra Indígena Jaraguá, zona norte de São Paulo, território que abriga cerca de 850 pessoas da etnia Guarani, distribuídas em sete comunidades. A unidade é referência na valorização do protagonismo indígena: dos 27 profissionais da Equipe Multidisciplinar de Atenção Básica à Saúde Indígena (EMSI), 18 são indígenas, atuando em funções que vão da gerência à assistência social, e incluindo agentes de saúde, enfermagem, agentes de saneamento, entre outras áreas técnicas e administrativas.
A recepção aos visitantes aconteceu na okã (casa de reza), espaço sagrado para os Guarani, que percebem a saúde de forma indissociada da espiritualidade e da preservação cultural. O acolhimento incluiu cânticos, danças e rituais tradicionais como o “tchondaro”, conduzidos por cerca de 20 integrantes da comunidade. Durante a visita, lideranças indígenas compartilharam suas perspectivas sobre o papel do serviço de saúde, a valorização de práticas tradicionais e demandas prioritárias, como o fortalecimento da saúde indígena, o reconhecimento institucional e a representatividade em fóruns nacionais e internacionais. Em um ambiente de intercâmbio e comunhão, a experiência foi encerrada com partilha de alimentos típicos preparados para a ocasião – “txipá” (pão frito servido com mel), milho e batata-doce cozidos, e chá de erva cidreira.
Para Adalberto Aguemi, a importância desta visita está justamente na aproximação com um centro relevante de documentação científica e na valorização da sistematização das medicinas tradicionais. “Conhecimento não é apenas o biomédico convencional; há um saber ancestral, transmitido oralmente por diversos povos, que precisamos fortalecer. Esta iniciativa global liderada pela BIREME e OMS é fundamental para preservar culturas ameaçadas, compartilhar práticas de promoção da saúde e criar instrumentos para enfrentar novos e históricos desafios”, afirmou, ao ressaltar os potenciais benefícios que esta visão ampliada de saúde, ciência e cuidados tem para as comunidades.
Saber local, relevância global
As visitas reforçam a importância de reconhecer, documentar e valorizar práticas de saúde que dialogam com saberes tradicionais e a diversidade cultural dos territórios. Para João Paulo Souza, diretor da BIREME, são experiências que ampliam o olhar sobre a saúde pública e inspiram soluções inovadoras e integrativas em escala global.
“As práticas de medicina indígena do povo guarani – que englobam a alimentação tradicional, o exercício físico, o uso de ervas medicinais da Mata Atlântica, além de práticas integrativas como as conversas matinais sobre os sonhos e uma cosmovisão voltada à convivência harmônica com o meio ambiente – têm contribuído para a saúde e o bem-viver das populações originárias no território que hoje corresponde ao estado de São Paulo há centenas de anos. Reconhecer e valorizar essas práticas, articulando-as com os serviços regulares de saúde, representa uma oportunidade de crescimento mútuo e fortalecimento intercultural”, destacou o diretor. A partir de uma solicitação de cooperação técnica, a BIREME buscará apoiar a codificação dessas práticas tradicionais nos sistemas de informação em saúde, bem como contribuir para sua visibilização e valorização no contexto da TMGL.