O extenso e abrangente programa científico do CRICS10, enfocado na contribuição da evidência e do conhecimento para alcançar os Objetivos da Agenda 2030, incluiu três Conferências Magistrais proferidas por especialistas do Brasil, Equador e Estados Unidos, que aportaram informação relevante, ideias inovadoras e abordagens transformadoras às discussões ocorridas ao longo do Congresso.
O tema da saúde permeia vários dos Objetivos da Agenda 2030, que estabelece as metas a serem seguidas nos próximos anos pelos Estados Membros da Organização das Nações Unidas (ONU) para o desenvolvimento sustentável. Mais recentemente, a Região das Américas ganhou um marco político-estratégico específico para a saúde que é pioneiro em todo o mundo: a Agenda da Saúde Sustentável para as Américas (ASSA) 2018-2030.
A ASSA 2030 foi o tema da conferência de abertura do CRICS10, apresentada por Cristina Luna, do Ministério de Saúde Pública do Equador, na noite de terça-feira, 4 de dezembro.
“A ASSA 2018-2030 é o maior compromisso a nível regional acordado por ministros da saúde”, definiu a Dra. Cristina Luna. O documento foi elaborado por um grupo de trabalho composto por representantes de 18 países da Região, com presidência do Equador e vice-presidência do Panamá e Barbados, em um processo que contou com ampla participação pública, por meio de consultas realizadas durante um ano, entre outubro de 2016 e setembro de 2017.
“Algumas metas foram adaptadas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS [da Agenda 2030 da ONU] para atender às necessidades regionais”, disse a Dra. Luna. A ASSA 2018-2030 é composta por 60 metas distribuídas pelos 11 objetivos – dois dos quais se relacionam diretamente com o tema do CRICS10: o objetivo número 6, “Fortalecer os sistemas de informação em saúde para apoiar a formulação de políticas e a tomada de decisão baseadas em evidências”, e o número 7, “Desenvolver capacidade de geração, transferência e uso da evidência e do conhecimento em matéria de saúde, promovendo a pesquisa, a inovação e o uso da tecnologia”, ambos compostos por três metas cada.
Para a Dra. Luna, “a gestão eficiente da informação está diretamente relacionada ao desenvolvimento, ao bem-estar e à equidade de saúde dos povos, por meio de tomadas de decisão informadas, oportunas e baseadas em evidência”.
A segunda Conferência Magistral do CRISC10 foi proferida por Amanda Wilson, da Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos (National Library of Medicine, NLM[1]), na manhã da quarta-feira (5). Com o tema “NLM como plataforma para descoberta biomédica e saúde informada por dados: fundamentos para a colaboração em ciência aberta”, a Dra. Wilson falou sobre os esforços dos Institutos Nacionais de Saúde (National Institutes of Health, NIH) na gestão da informação para uma saúde baseada em dados.
“Os dados são importantes para a pesquisa, mas também para o acompanhamento detalhado do paciente”, disse. De acordo com a Dra. Wilson, a tecnologia pode auxiliar no tratamento de forma individual, por exemplo, por meio de aplicativos que lembram quando é hora de tomar o remédio – e que ainda informam o médico e mantém o registro da medicamentação tomada pelo paciente. Ademais, as pessoas interagem com o sistema de saúde em diversas ocasiões em suas vidas, gerando um volume imenso de informação. Nesse contexto, A Dra. Amanda Wilson argumenta que a tecnologia permite gerar dados coletivos que podem levar à melhoria da saúde.
Os dados em saúde são agora o foco das iniciativas da NLM, e formam a base do atual plano estratégico da instituição, resumido em três objetivos apresentados pela Dra. Wilson em sua conferência: 1) acelerar a descoberta e avanços em saúde por meio da pesquisa baseada em dados; 2) alcançar mais pessoas, em mais formas, por meio de melhor disseminação e engajamento; 3) construir uma força de trabalho para pesquisa e saúde orientada por dados. De acordo com a Dra. Wilson, as parcerias com agências federais, indústria, academia e organizações internacionais são essenciais para isso: “um dos comprometimentos é trabalhar juntos com parceiros estratégicos para atingir os objetivos”, salienta.
O compartilhamento de dados já faz parte da cultura do NIH, com políticas neste sentido que remontam ao início do século. Os desafios para o compartilhamento e gestão de dados são vários, mas os benefícios, segundo a Dra. Wilson, são muito maiores. “O compartilhamento de dados é essencial para acelerar a tradução dos resultados de pesquisa em conhecimento, produtos e procedimentos para melhorar a saúde humana”, afirma.
“A Agenda 2030 no Brasil: que contribuições a ciência pode oferecer”, foi o tema da conferência proferida por Henrique Villa da Costa Ferreira, da Secretaria Nacional de Articulação Social da Secretaria de Governo da Presidência da República, no dia 6 de dezembro.
De acordo com Ferreira, devemos começar agora a fazer as mudanças que queremos para o Brasil de 2030[2]. “Esta Agenda é de hoje” afirma. Lembrando a fala de Ban Ki-moon, ex-Secretário-Geral da ONU, Ferreira reitera que a Agenda 2030 é absolutamente integrada, com objetivos em diferentes áreas que são articulados uns com os outros. “Para o Brasil, este é um desafio adicional, pois temos uma política fortemente setorizada”, afirma.
“A Agenda 2030 tem forte digital da sociedade brasileira”, declara Ferreira. De acordo com o especialista, a Agenda 2030 global nasceu de baixo para cima, por um processo em que os países foram amplamente consultados.
O primeiro grande desafio apontado por Ferreira para a implementação da Agenda 2030 no país é a internalização dos ODS. Ou seja, é necessário trazer os objetivos propostos do plano global para o nacional, por meio de uma forte governança nacional, adequação das metas ao contexto brasileiro e definição de indicadores para avaliar o encaminhamento internamente e a posição do país em relação às demais nações. “O Brasil precisa ir além. As metas dispostas na Agenda 2030 são abrangentes, devemos adaptá-las ao contexto brasileiro pensando no país que queremos em 2030”.
Essa parte do trabalho anda bem, de acordo com Ferreira. Por exemplo, a meta 3.1 global prevê a redução da taxa de mortalidade materna para menos de 70 mortes por 100 mil nascidos vivos. A proposta de adequação brasileira prevê que esse máximo seja de 30 mortes maternas por 100 mil nascidos vivos, uma vez que, em 2015, o Brasil já tinha uma RNM de 62 para 100 mil – e o Ministério da Saúde já previa uma redução de 51% da RNM até 2030.
O segundo desafio, mais complexo segundo Ferreira, é a questão da interiorização. “Estamos falando de um país de proporções continentais. Precisamos trazer estados e municípios para o processo”, afirma.
O aumento no investimento em pesquisa e desenvolvimento é apontado por Ferreira como essencial para um desenvolvimento de fato sustentável. Atualmente o país investe 1,27% do Produto Interno Bruto (PIB) em ciência, tecnologia e inovação (CT&I), mas, segundo o especialista, é necessário atingir os 2%.
Ferreira lembrou de alguns exemplos de sucesso da ciência brasileira, com grande impacto na economia nacional nos setores da energia renovável, clima, bioeconomia, água e agricultura – o Brasil já é responsável por 6,5% das publicações em ciências biológicas e agrícolas no mundo.
“CT&I são fundamentais para a equidade, principalmente em um país tão desigual quanto o Brasil”, diz. O especialista lembra que existe uma Estratégia Nacional de CT&I vigente para 2020, que converge em várias partes com a Agenda 2030 e que “terá a Agenda como base para seu desenvolvimento daqui por diante”.
Os conferencistas magistrais apresentaram evidências de como a gestão eficiente da informação e a pesquisa científica em países de cenários tão distintos como os Estados Unidos, Equador e Brasil, podem apoiar de fato a Região como um todo a atingir os Objetivos da Agenda 2030, e possivelmente em alguns aspectos, inclusive superá-los. Como afirmou a Diretora da OPAS/OMS em seu discurso inaugural, “ASSA 2030 é um chamado de ação coletiva para atingir elevados níveis de saúde e bem-estar para os povos das Américas. O trabalho de cada um de vocês pode contribuir criticamente para informar decisões complexas em todas as áreas de políticas públicas em saúde. Permita que o lema ‘atender a todos e não deixar ninguém para trás’ invada nossos sonhos e objetivos em direção à justiça social e saúde e bem-estar para todos”.
[1]A NLM, criada em 1836, é a maior biblioteca médica do mundo, cujos serviços essenciais abrangem a aquisição, a preservação e a disseminação da informação; a condução de pesquisa sobre informação em saúde; e o desenvolvimento e treinamento de recursos humanos na área. A instituição tem ao longo de sua história investido em métodos e tecnologias que permitem uma melhor gestão da informação — passando pela indexação, até meados do século XX, a digitalização, o uso da rede e, mais recentemente, desde 2016, os dados.
[2]Henrique Villa C. Ferreira também é secretário-executivo da Comissão Nacional para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (CNODS), criada em 2016 pelo Governo Federal e formada por representantes do governo, academia, terceiro setor e setor privado. Ferreira afirma se tratar de um conjunto de atores com o compromisso de implementar a Agenda 2030 no Brasil, com a parceria de órgãos reguladores que acompanham o cumprimento do plano de ação proposto, fazendo referência ao plano produzido pela Comissão para implementação da Agenda 2030 no país, com estratégias, prazos e metas nacionais.